Adam Kowalik - Liberdade Religiosa

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A LIBERDADE RELIGIOSA NA LEGISLAÇÃO NO BRASIL

- EM PARTICULAR O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS

Dr. Adam Kowalik

1. Introdução. 2. Religião na Constituição Federal. 3. Diagnostico da situação atual. 4. O ensino religioso nas escolas públicas no Brasil. 4.1. O ensino religioso no Estado do Rio de Janeiro. 4.2. O ensino religioso e sincretismo. 5. Conclusão

 

1. INTRODUÇÃO

A Constituição Federal consagra como direito fundamental a liberdade de religião, prescrevendo que o Brasil é um país laico. Com essa afirmação queremos dizer que, consoante a vigente Constituição Federal, o Estado deve se preocupar em proporcionar a seus cidadãos um clima de perfeita compreensão religiosa, proscrevendo a intolerância e o fanatismo. Deve existir uma divisão muito acentuada entre o Estado e a Igreja (religiões em geral), não podendo existir nenhuma religião oficial, devendo, porém, o Estado prestar proteção e garantia ao livre exercício de todas as religiões.

É oportuno que se esclareça que a confessionalidade ou a falta de confessionalidade estatal não é um índice apto a medir o estado de liberdade dos cidadãos de um país. A realidade nos mostra que tanto é possível a existência de um Estado confessional com liberdade religiosa plena, como um Estado não confessional com clara hostilidade aos fatos religiosos, o que conduz a uma extrema precariedade da liberdade religiosa.

O Procurador Iso Chaitz Schekerkewitz salienta que “O fato de ser um país secular, com separação quase que total entre Estado e Religião, não impede que tenhamos em nossa Constituição algumas referências ao modo como deve ser conduzido o Brasil no campo religioso. Tal fato se dá uma vez que o Constituinte reconheceu o caráter inegavelmente benéfico da existência de todas as religiões para a sociedade, seja em virtude da pregação para o fortalecimento da família, estipulação de princípios morais e éticos que acabam por aperfeiçoar os indivíduos, o estímulo à caridade, ou simplesmente pelas obras sociais benevolentes praticadas pelas próprias instituições”[1].

A liberdade de religião engloba, na verdade, três tipos distintos, porém intrinsecamente relacionados de liberdades: a liberdade de crença; a liberdade de culto; e a liberdade de organização religiosa.

Consoante o magistério de José Afonso da Silva, entra na liberdade de crença “a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer religião, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, mas também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnosticismo. Mas não compreende a liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer religião, de qualquer crença...”[2].

A liberdade de culto consiste na liberdade de orar e de praticar os atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como a de recebimento de contribuições para tanto.

A liberdade de organização religiosa “diz respeito à possibilidade de estabelecimento e organização de igrejas e suas relações com o Estado”[3].

“A liberdade de religião não está restrita à proteção aos cultos e tradições e crenças das religiões tradicionais (Católica, Judaica e Muçulmana), não havendo sequer diferença ontológica (para efeitos constitucionais) entre outras religiões[4]. Creio que o critério a ser utilizado para  saber se o Estado deve dar proteção aos ritos, costumes e tradições de determinada organização religiosa não pode estar vinculado ao nome da religião, mas sim aos seus objetivos. Se a organização tiver por objetivo o engrandecimento do indivíduo, a busca de seu aperfeiçoamento em prol de toda a sociedade e a prática da filantropia, deve gozar da proteção do Estado”[5].

Também existem organizações que possuem os objetivos mencionados e mesmo assim não podem ser enquadradas no conceito de organização religiosa. “Penso que em tais casos o Estado é obrigado a prestar o mesmo tipo de proteção dispensada às organizações religiosas, uma que vez existe uma coincidência de valores a serem protegidos, ou seja, as religiões são protegidas pelo Estado simplesmente porque as suas existências acabam por beneficiar toda a sociedade (esse benefício deve ser verificado objetivamente, não bastante para tanto o simples beneficiamento para a alma dos indivíduos em um Mundo Superior — os atos, ou melhor, a conseqüência dos atos, deve ser sentida nesse nosso mundo)”[6]. Existindo uma coincidência de valores protegidos, deve existir uma coincidência de proteção.

Devemos ampliar ainda mais o conceito de liberdade de religião para abranger também o direito de proteção aos não-crentes, ou seja, às pessoas que possuem uma posição ética, não propriamente religiosa (já que não dá lugar à adoção de um determinado credo religioso), saindo, em certa medida do âmbito da fé, uma vez que a liberdade preconizada também é uma liberdade de fé e de crença, devendo ser enquadrada na liberdade religiosa e não simplesmente na liberdade de pensamento.

Pontes de Miranda reforça esses argumentos, perguntado se na liberdade de pensamento caberia a liberdade de pensar contra certa religião ou contra as religiões. Salienta que nas origens, o princípio não abrangia essa emissão de pensamento, tendo posteriormente sido incluído nele alterando-se-lhe o nome para ‘liberdade de crença’, para que se prestasse a ser invocado por teístas e ateus. Afirma, por fim, que “liberdade de religião é liberdade de se ter a religião que se entende, em qualidade, ou em quantidade, inclusive de não se ter”[7].

 

2 - RELIGIÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Para a análise do tema é conveniente que se traga à colação os dispositivos constitucionais a ele relativo. Vejamos:

A Constituição Federal, no artigo 5º, VI, estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença, assegurando o livre exercício dos cultos religiosos e garantindo, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias.

O inciso VII afirma ser assegurado, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva.

O inciso VII do artigo 5º, estipula que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.

O artigo 19, I, veda aos Estados, Municípios, à União e ao Distrito Federal o estabelecimento de cultos religiosos ou igrejas, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

O artigo 150, VI, "b", veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto, salientando no parágrafo 4º do mesmo artigo que as vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

O artigo 120 assevera que serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar a formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais, salientando no parágrafo 1º que o ensino religioso, de matéria facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

O artigo 213 dispõe que os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação e assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.

O artigo 226, parágrafo 3º, assevera que o casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

 

3. DIAGNÓSTICO DA SITUAÇÃO ATUAL

 

         Julgamos que as Constituições Brasileiras de 1946, 1969 e 1988 em linhas gerais acolheram e regulamentaram de modo adequado os três princípios fundamentais que sustentam as relações Igreja-Estado segundo o espírito do Vaticano II[8]. Respeita-se claramente o princípio de autonomia[9]; defende-se o direito à liberdade religiosa nas suas dimensões individual e social[10]; mantém-se a devida atenção ás comunidades religiosas, afastando-se do laicismo dos primórdios republicanos, para entrar num campo de aberta cooperação de favoritismos e  discriminações[11].

         Parece-nos, porém, que estas linhas de força – autonomia, liberdade e cooperação – poderiam marcar-se ainda, em algum aspecto, de um modo mais vigoroso.

         Em matéria de educação, por exemplo, poderiam determinar-se, em todos os estados brasileiros,  estatutos que regulamentam de maneira positiva e prática o ensino religioso tal como o recomenda, de um modo geral, a Constituição de 1946[12], a de 1969[13], e inclusive a nova Constituição de 1988[14].

 

 

4. O ENSINO RELIGIOSO NAS ESCOLAS PÚBLICAS NO BRASIL

 

A Constituição da República estabelece em seu artigo 210, parágrafo 1º que as escolas públicas de ensino fundamental deverão ter, obrigatoriamente, em seu curriculum, como matrícula facultativa porém dentro do horário normal de aulas, uma cadeira relacionada ao ensino religioso.

A Constituição não traça, no mencionado dispositivo, nenhum padrão de conduta para o Administrador ou para os educadores com relação à forma que se dará o ensino religioso, muito menos qual o seu conteúdo ou ainda, por ser facultativa a matrícula, não dá nenhuma dica sobre o que farão as crianças que não optarem pelo ensino religioso durante o período em que estiverem sendo ministradas as aulas relacionadas à matéria. Tais indagações ficaram sem resposta imediata devendo ser feita uma exegese de todo o texto constitucional para que se consiga dar a aplicação correta ao artigo.

Primeiramente, é conveniente repisar-se que não existe uma religião oficial no Brasil. Não existindo religião oficial, não se pode optar pela ensinança dos preceitos de nenhuma religião específica (ou melhor dizendo, não se pode optar pelo ensinamento de apenas uma religião) pois em assim ocorrendo estar-se-ia promovendo o proselitismo patrocinado pelo Poder Público.

Se está proibida a ensinança de determinada religião, qual era a intenção do Constituinte? Cremos que a intenção do Constituinte foi dar a oportunidade para que os alunos, em idade de formação de sua personalidade, possam ter informações para optar, no futuro, livremente por uma religião, ou por nenhuma religião. Na cadeira de ensino religioso deveriam ser transmitidos os fundamentos das maiores religiões existentes no Brasil, com ênfase nos aspectos que lhes são comuns: prática de boas ações, busca do bem comum, aprimoramento do caráter humano etc..

Deixa-se consignado que a implementação do ensino religioso nas escolas públicas vai passar por um grave problema que é a falta de bons profissionais, aptos a transmitir conceitos gerais sobre todas as religiões, sem tentar forçar a prevalência de suas próprias idéias, ou das idéias da religião que representa (é conveniente que se atente que à margem da quase inexistência de tais profissionais, ainda existe, na nossa realidade, a agravante das péssimas condições generalizadas do ensino de nosso país, que como regra geral, infelizmente, não oferece a possibilidade da mantença de bons quadros do magistério dentro do ensino público).

Existe, por outro lado, uma impossibilidade de que os professores sejam recrutados em determinada religião. Deve haver um concurso público em que se exija o conhecimento das linhas gerais de todas as principais religiões existentes no Brasil: religiões de origem africana, católica, evangélica, judaica, muçulmana, budista etc., pois só assim os professores estarão, pelo menos em tese, aptos a transmitir as idéias com um grau relativo de isenção.

Outra questão que deverá ser solucionada é a relativa a facultatividade da matrícula. Será que existe a facultatividade constitucionalmente prevista? Sendo que a matéria relativa ao ensino religioso deverá ser ministrada no horário normal de aula, aonde ficarão os alunos que não fizerem a opção por ela? Se não houver uma opção viável, não há que se falar em facultativa. Se a opção for ficar sem fazer nada durante o período das aulas, ou ainda, ficar tendo aula de uma das matérias tradicionais, com certeza a "facultatividade" estará ameaçada.

Por derradeiro, outro ponto a ser analisado é relacionado à pressão do grupo: se noventa por cento de uma classe se dispuser a ter aula de determinada religião (no caso de não ser seguida a interpretação que fizemos relacionada com a obrigatoriedade de serem ministradas aulas sobre todas as correntes religiosas), como se sentirão os dez por cento da classe que por não fazerem parte da religião majoritária, ou por não possuírem nenhuma convicção religiosa? Fatalmente o grupo exercerá uma forte pressão sobre as crianças que ainda estão em estágio de formação de idéias.

Pelos argumentos colacionados cremos que foi infeliz o legislador constituinte ao determinar que o ensino religioso deva ser ministrado dentro do horário normal das escolas públicas, devendo, portanto, ser revisto este dispositivo, pois está em contradição com o bojo da Constituição Federal no tocante à separação obrigatória entre o Estado e os entes religiosos, sob pena do Estado vir a patrocinar o proselitismo.

 

         O Projeto da lei de «Diretrizes e Bases da Educação Nacional» – LDBEN – Parecer n° 30, foi aprovado pelo Senado Federal e encaminhado à Câmara dos Deputados constando no § 3° do art. 30:

         “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:

I – confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas, ou

II – interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa”.

E nos §§ 4° e 5°: “Os sistemas de ensino atuarão de forma articulada com as entidades religiosas para efeito da oferta do ensino religioso e do credenciamento dos professores ou orientadores”. “Aos alunos que não optarem pelo ensino religioso será assegurada alternativa que desenvolva os valores éticos, o sentimento de justiça, a solidariedade humana, o respeito a lei e o amor a liberdade”[15].

 

Os Bispos da Igreja Católica no Brasil, reunidos na 34ª Assembléia Geral em Itaici (17 a 26 de abril de 1996), comentaram a tramitação deste projeto em modo seguinte: “O povo brasileiro è profundamente marcado pela religiosidade. A sua história está impregnada de aspectos religiosos. Sua cultura e identidade fundamentam-se em diferentes tradições religiosas. A lei Magna, promulgada sob proteção de Deus, afirma, em seu preâmbulo, que a fraternidade è o bem supremo da Nação. O Estado moderno  não pode e não deve abdicar do seu dever intransferível de assegurar os direitos individuais do cidadão no exercício da cidadania, e dos grupos que buscam a realização do homem e da mulher como pessoa em todas as dimensões do seu ser. Surpreendeu-nos o acréscimo da expressão sem ônus para os cofres públicos no artigo  que estabelece o Ensino religioso como disciplina dos horários normais das escolas públicas[16].

Se o Ensino Religioso è disciplina dos horários normais das escolas públicas, alguém deverá ministrá-lo e o Estado não pode eximir-se da responsabilidade do ônus, o que tornaria esta disciplina elemento estranho ao currículo escolar[17]. “O Ensino Religioso è disciplina garantida pela Lei Maior. Por isso, não pode ser tratado como adendo nem como favor prestado da determinada denominação religiosa. Ele è parte integrante de um processo de educação global inserido nos horários normais das escolas públicas e compete ao Estado arcar com o devido ônus”[18] – concluíram os bispos[19].

 

 

4.1 - O ENSINO RELIGIOSO NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

 

O Estado de Rio de Janeiro deu viabilidade prática ao ensino religioso regulamentando-o  em  14 de setembro de 2000 pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, Antony Garotinho, ao sancionar a lei 3459 que determina que o ensino religioso faça parte do currículo das escolas públicas, ocasionou uma retomada dos debates sobre os limites entre ciência e religião. “A lei do ex-governador foi colocada em prática pela atual governadora, Rosinha Matheus, e trouxe mal estar não apenas para setores “fundamentalistas” do mundo religioso e científico, mas também, para setores “moderados”, pertencentes ou não a essas duas instituições”[20].

Os 1,7 milhão de alunos dos 92 municípios foram divididos por credo durante a disciplina religiosa, a ser abordada, separadamente, por doutrinas como a católica, a evangélica, a espírita, a umbandista, a messiânica e outras que se manifestarem dentro da comunidade.

“A visão clássica era de que a ciência explicaria o mundo e com isso não haveria mais necessidade de se recorrer aos aspectos mágicos e religiosos, mas não foi bem isso que aconteceu”, analisa Silas Guerriero, sociólogo e professor do Departamento de Teologia e Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Para ele, “apesar do mundo estar cada vez mais ´cientifizado´, as pessoas ainda fazem uso de explicações religiosas, porque a dimensão religiosa faz parte do ser humano”[21].

Para autoridades religiosas, o principal problema não é levar a religião para dentro da escola, mas a forma como ela será abordada dentro das instituições de ensino. “Nesse ponto, uma das principais preocupações é o caráter confessional do ensino religioso que implica na religião ser ensinada de maneira dogmática, separada de acordo com os credos. Esse tipo de ensino religioso dentro da escola pública envolve questões que ultrapassam a questão do "status" do conhecimento. Esbarra em questões como respeito ao sincretismo ou pluralismo religioso (uma das principais características da sociedade brasileira), separação entre instituições como Estado e Igreja (apontada como um dos marcos da civilização moderna) e no processo chamado de secularização da sociedade”[22].

“Com o processo de secularização, a religião deixa de ser o processo fundador da visão de mundo e passa a ser uma das esferas sociais, Ou seja, ela não some, apenas se iguala a outras esferas como moral, família, estado, educação etc. As pessoas hoje lançam mão da religião quando precisam e da forma que precisam”, esclarece sociólogo[23].

A ameaça ao Estado laico, não partidário de nenhum credo específico, é outro ponto de preocupação dos críticos à prática do ensino religioso confessional no estado do Rio de Janeiro. A polêmica é alimentada pela aberta manifestação da governadora do estado quanto sua postura religiosa evangélica. Para Carlos Minc[24], deputado do PT que escreveu o projeto de lei que propõe a alteração do ensino confessional para um ensino de caráter socio-antropológico, a implementação do ensino religioso nos moldes da realizada no Rio fere claramente a lei federal e o princípio do Estado laico.

“Estado tem que zelar pela legislação, defendendo o princípio da liberdade religiosa (...). É claro que o oportunismo político ultrapassa fronteiras éticas e morais e pode se utilizar do atraso para conquistar apoio político de lideranças religiosas”[25], critica o deputado. Sobre este aspecto, Lourenço Stelio Rega, professor da Faculdade Batista de Teologia de São Paulo, faz considerações mais contundentes. Segundo ele a noção de Estado laico não condiz com a realidade brasileira.

“Vamos ser claros, o Estado brasileiro não é laico. Sofre influências principalmente da Igreja Católica. Talvez neste atual governo menos, por ser de natureza mais sincrética”[26], enfatiza. Já para o ex-deputado Carlos Dias[27], do PP, que propôs a instituição do ensino religioso confessional nas escolas públicas do estado do Rio de Janeiro, a lei não ameaça o Estado laico. Para ele, o Estado é pluralista e por isso precisa trabalhar com todas as correntes de pensamento, inclusive a religiosa e isso também no campo educacional, dando a liberdade de expressão para todas as religiões”[28].

 

4.2 - O ENSINO RELIGIOSO E SINCRETISMO

No edital de abertura do concurso para professores de ensino religioso das escolas públicas do Estado do Rio, as 500 vagas oferecidas foram separadas da seguinte forma: 342 para o credo católico, 132 para o credo evangélico e 26 vagas para professores dos demais credos. Esse edital deixa clara a característica confessional da educação religiosa. Porém, se essa é a idéia, o ensino religioso deveria atender a todos os credos, o que dificilmente acontecerá se essa divisão de professores for mantida. Mesmo que outra divisão fosse feita, também seria difícil atender as diversas possibilidades de demanda religiosa, se for levado em conta o sincretismo religioso brasileiro e autonomia religiosa característica da secularização da sociedade.

O Estado não tem meios de oferecer um ensino religioso que atenda todos os tipos de crença. Por outro lado, se isso acontecesse, não haveria sentido porque isso seria papel da Igreja e não da escola. Para Rega a educação religiosa na escola deve lidar com o fenômeno religioso presente na vida humana, o relacionamento com o “sagrado” e os temas pertinentes a essa questão. “Deve ensinar aos alunos a reconhecer os elementos que compõe a vida religiosa, tais como as definições de religião, os ingredientes ou componentes da experiência e prática religiosa, os ritos e os símbolos”, argumenta o professor. O ensino religioso nas escolas deveria ser fenomenológico, ou seja, com uma abordagem antropológica, sociológica e cultural. “Poderia e deveria acontecer dentro das escolas públicas apenas se pudesse seguir os moldes de uma ciência da religião, caminhando no sentido de mostrar os vários mitos da criação, promovendo o respeito às diferenças”, conclui Guerriero[29].

 

5 - CONCLUSÃO

         O Ensino Religioso, compreendido como prática educativa que abre  a pessoa à dimensão do transcendente, è mediação que ajuda a encontrar respostas às questões existenciais e a definir as exigências éticas inerentes ao exercício da cidadania. Nesta perspectiva, contribui para diminuir a violência, a corrupção e as desigualdades sociais. Já existem no Brasil significativas experiências de Ensino Religioso Escolar, expressão de trabalho articulado entre diferentes confissões religiosas e Secretarias de Estado da Educação. São experiências que, superando o proselitismo, assumem a educação da e na religiosidade, tão necessária ao desenvolvimento integral da pessoa. Seria lamentável comprometê-las  e anular o expressivo trabalho vivenciado no Ensino Religioso, hoje organizado em todos os Estados do Brasil, com exceção de um. Ao processo constituinte, a segunda maior emenda popular apresentada foi a favor do Ensino Religioso, e contou com apoio  de diferentes denominações religiosas e entidades, o que expressa o desejo e a aspiração da sociedade brasileira.

         Além de inconstitucional, a expressão sem ônus para os cofres públicos è um desrespeito para com a pessoa humana em processo de formação, para com o profissional da educação – professor, e para com a sociedade brasileira que entendeu a importância dessa disciplina no processo de educação integral e formação de pessoas-sujeito, comprometidas com a vida, com a história e com a construção de uma nova sociedade humana mais justa e solidária.

 

Dados de Religião

Censo Demográfico 2000

 

Unidade Geográfica

Situação do Domicílio

Sexo

Religião

Contingente

%

Brasil

Total

Total

Total

169.872.856

100,00

Brasil

Total

Total

Católica apostólica romana

124.980.132

73,57

Brasil

Total

Total

Evangélicas

26.184.941

15,41

Brasil

Total

Total

Evangélicas - de missão

6.939.765

4,09

Brasil

Total

Total

Evangélicas - de missão - Evangélica adventista do sétimo dia

1.142.377

0,67

Brasil

Total

Total

Evangélicas - de missão - Igreja evangélica de confissão luterana

1.062.145

0,63

Brasil

Total

Total

Evangélicas - de missão - Igreja evangélica batista

3.162.691

1,86

Brasil

Total

Total

Evangélicas - de missão - Igreja presbiteriana

981.064

0,58

Brasil

Total

Total

Evangélicas - de missão - outras

591.488

0,35

Brasil

Total

Total

Evangélicas - de origem pentecostal

17.975.249

10,58

Brasil

Total

Total

Evangélicas - de origem pentecostal - Igreja congregacional cristã do Brasil

2.489.113

1,47

Brasil

Total

Total

Evangélicas - de origem pentecostal - Igreja universal do reino de Deus

2.101.887

1,24

Brasil

Total

Total

Evangélicas - de origem pentecostal - Evangélica evangelho quadrangular

1.318.805

0,78

Brasil

Total

Total

Evangélicas - de origem pentecostal - Igreja evangélica assembléia de Deus

8.418.140

4,96

Brasil

Total

Total

Evangélicas - de origem pentecostal - outras

3.647.303

2,15

Brasil

Total

Total

Evangélicas - outras religiões evangélicas

1.269.928

0,75

Brasil

Total

Total

Testemunhas de Jeová

1.104.886

0,65

Brasil

Total

Total

Espírita

2.262.401

1,33

Brasil

Total

Total

Espiritualista

25.889

0,02

Brasil

Total

Total

Umbanda

397.431

0,23

Brasil

Total

Total

Candomblé

127.582

0,08

Brasil

Total

Total

Judaica

86.825

0,05

Brasil

Total

Total

Budismo

214.873

0,13

Brasil

Total

Total

Outras religiões orientais

158.912

0,09

Brasil

Total

Total

Islâmica

27.239

0,02

Brasil

Total

Total

Hinduísta

2.905

0,00

Brasil

Total

Total

Tradições esotéricas

58.445

0,03

Brasil

Total

Total

Tradições indígenas

17.088

0,01

Brasil

Total

Total

Outras religiosidades

989.303

0,58

Brasil

Total

Total

Sem religião

12.492.403

7,35

Brasil

Total

Total

Não determinadas

357.648

0,21

Brasil

Total

Total

Sem declaração

383.953

0,23

Obs.: Percentuais relativos ao total da população para a unidade geográfica selecionada.
Fonte: Censo 2000, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE

 

 


[1] SCHEKERKEWITZ I.CH., O Direito de Religião no Brasil, in http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/.

[2] SILVA  J.A,  Curso de direito constitucional positivo, 5 ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1989, p. 223.

[3], Ibidem, p. 221.

[4]O catolicismo popular, o espiritismo e a umbanda constituem-se nas três fontes básicas desse fenômeno difuso, que dilui as fronteiras. É evidente que não estou interessado numa essência das religiões que perpassa todas elas ou na sustentação da idéia de que há traços religiosos comuns aos seres humanos na sua enorme multiplicidade étnica, política, religiosa, cultural e geográfica. Suspeito, isto sim, que o ponto em comum ou o tema transversal entre essas três religiões seja a idéia da imortalidade da alma e, por conseguinte, a possibilidade de comunicação entre o mundo dos mortos e o dos vivos. Por esta razão, a idéia de reencarnação, amplamente difundida pelo espiritismo, é voz corrente entre o povo…. Contudo, o Brasil está ficando mais evangélico, pentecostal. E a América Latina também. O pentecostalismo cresce por ruptura, influencia outras igrejas e faz com que as religiões afro-brasileiras e a umbanda se redefinam frente à concorrência que se instaura no "campo da produção, circulação e consumo" dos bens religiosos. Ainda não sabemos por quanto tempo o pentecostalismo crescerá. Seus líderes nos dão cifras astronômicas. Os números da religião não seguem a objetividade da matemática; também entre as lideranças das igrejas tradicionais os dados estão além da realidade. Por outro lado, em alguns países da América Latina percebe-se um "cansaço" de algumas igrejas pentecostais. Em círculos teológicos pentecostais há quem fale em "despentecostalização" do pentecostalismo” (). 

[5] SCHEKERKEWITZ, I.CH., O Direito de Religião…, cit.

[6] Ibidem.

[7] MIRANDA, P.C., CAVALCANTI, F.,  Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1974. v. 5, p. 123.

[8] Estudos da CNBB, n° 6: Igreja e Estado. Perspectivas Pastorais.

[9] Vid. Por ex. Const. 1969, Art. 9.

[10] Vid. Por ex. Const. 1969, Art. 153, §§ 1, 5, 6, 7.

[11] Vid. Por ex. Const. 1969. Arts. 175 e 176.

[12] Constituição de 1946, Art. 168, V; 1988, Art. 211, VI.

[13] Art. 176, § 3, V.

[14] Art. 211, VI.

[15] Cf. SILVA SANTOS, E.,  O ensino religioso nas escolas públicas, in Direito&Pastoral, 33(1996), p. 88.

[16] SILVA SANTOS, E.,  O ensino religioso…, p. 99.

[17] Cf. FIGUEIREDO, P.,  O Ensino Religioso no Brasil, Tendências, Conquistas, Perspectivas, Petrópolis 1995.

[18] Ibid.

[19] Cf. Estudos da CNBB, n° 49 e 41-44:  O Ensino Religioso nas Constituições do Brasil, nas Legislações do Ensino, nas Orientações da Igreja, 1987.  «O ensino religioso escolar tem sido objeto da solicitude pastoral dos Bispos e do Grupo de Reflexão do Ensino Religioso (GRERE) através de orientações, encontros e subsídios.

Há grande preocupação em estabelecer a identidade do ensino religioso escolar, distinto da catequese, principalmente nas escolas da rede oficial, frente ao pluralismo de crenças dos alunos, das famílias e dos professores. Nota-se também uma busca de precisão nos seus objetivos, métodos, conteúdos e linguagem que permitam um referencial básico a fim de que os temas não sejam apresentados de forma vaga, neutra, imprecisa ou confusa, sob pretexto de atender à pluralidade de religiões dos educandos.

Evidencia-se a necessidade de um persistente trabalho para solucionar os problemas relativos ao professor do ensino religioso escolar: cursos de formação válidos para a carreira do magistério, estabilidade profissional, igualdade de tratamento aos outros professores e acompanhamento adequado da Igreja.

Em grande parte das escolas católicas, o ensino religioso dentro de uma dimensão antropológica visa dar ao aluno uma formação básica, social e religiosa cristã, não se limitando a aulas sistemáticas, mas perpassando toda a atividade educativa da escola. A escola católica enfrenta os desafios que a cultura coloca à fé. O ensino religioso ajuda os estudantes a conseguir a síntese entre fé e cultura, que é necessária ao processo de sua maturação na fé».

[20] KOWALIK, A.,  Principios de relações entre a autoridade civil e eclesiástica – Relações Estado-Igreja em particular na legislação brasileira, in V COLOQUIO DEL CONSORCIO LATINOAMERICANO DA LIBERTAD RELIGIOSA, Actualidad y Retos del Derecho Eclesiástico del Estado en Latinoamérica, México, D.F. noviembre de 2005, p. 264.

[21] VOGT, C.,  O ensino religioso ameaça o conhecimento científico?, in Revista Eletrônica do Jornalismo Scientífico, 10.07.2004.

[22] KOWALIK, A.,  Principios de relações... cit.

[23] VOGT, C.,  O ensino religioso…, cit.

[24] Filho de família judia, o deputado Carlos Minc (PT-RJ) considera que o ensino do criacionismo nas escolas públicas do Rio de Janeiro é uma volta à Idade Média. Minc é contra o ensino religioso confessional e acredita que as aulas de religião, de modo geral, não são necessárias. Ele também é responsável pelo projeto que alterava a lei de autoria do ex-deputado Carlos Dias (PP-RJ). O projeto de lei previa que as aulas de religião, de caráter facultativo, fossem ministradas do ponto de vista histórico-antropológico. O plenário da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) chegou a aprovar o projeto de lei, em 16 de outubro de 2003, que foi, no entanto, vetado pela governadora Rosinha Garotinho.

[25] MINC, C.,  Cracionismo nas escolas – entrevista, in Revista Eletrônica do Jornalismo Scientífico, 10.07.2004.

[26] Ibidem.

[27] O ex-deputado Carlos Dias (PP-RJ) é autor da lei 3459 que instituiu o ensino religioso confessional nas escolas públicas do estado do Rio de Janeiro. Pela lei, sancionada em 14 de setembro de 2000 pelo então governador Anthony Garotinho, as aulas de religião ficam divididas por credo, são facultativas e integram o calendário normal das escolas públicas, desde a educação infantil até o ensino médio. Em janeiro de 2004, foi realizado o concurso público para contratação de 500 professores de religião confessional. Católico, o ex-deputado não vê problemas no ensino do criacionismo nas escolas, "porque ninguém hoje acredita que o homem evoluiu do macaco. Somos seres irrepetíveis, não temos a capacidade de nos recriar, independentemente de todos os delírios científicos".

[28] DIAS, C.,  O ensino religioso confessional – entrevista, in Revista Eletrônica do Jornalismo Scientífico, 10.07.2004.

[29] VOGT, C.,  O ensino religioso…, cit.

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