A NOÇÃO
DE FAMÍLIA NAS DECLARAÇÕES E NORMAS INTERNACIONAIS
1. INTRODUÇÃO: DELIMITAÇÃO DO TEMA.
Neste artigo analisaremos o conceito de família nas declarações e normas internacionais.
A família, instituição básica da sociedade, está disciplinada não só por cada Estado, os quais delineiam uma norma específica,
mas também por organizações mais amplas, como a ONU. Procuraremos expor os dados e as resoluções, relativas a tal âmbito, seguindo um percurso histórico. Da primeira forma
de organização, se passará à análise das várias declarações.
As normas de Direito Internacional reconhecem na família um papel natural e uma subjetividade
jurídica, através do caráter de instituição, seja na estrutura estatal, seja no ordenamento internacional vigente.
2. A FAMÍLIA COMO “NÚCLEO NATURAL”
O indivíduo, considerado em si mesmo é incompleto, sob a fundamental relação dos sexos, cada um dos quais isoladamente,
representa imperfeitamente a natureza humana: por isso o matrimônio é destinado a completar o indivíduo. Daí o caráter natural
necessário, da união estável entre o homem e a mulher. A exigência que o homem tem e que é levado a satisfazer, não é somente aquela do complemento de si mesmo mediante a união
estável com a pessoa do outro sexo, mas é também e sobretudo a da criação de uma família e portanto a criação de um centro de afetos que o complementem verdadeiramente
e plenamente.
“A vida em cada grupo, e assim também no familiar, comporta pluralidade e variedade de relações inter-subjetivas,
que postulam regras de condutas (...). A família, portanto, é antes de tudo um conjunto de pessoas ligadas por recíprocos
afetos e solidariedade, por vínculos que assumem relevância jurídica, sendo a primeira, a fundamental forma de convivência
organizada, que, junto com outras formas de organizações como por exemplo, as associações culturais religiosas, beneficente,
as associações comerciais, partidos políticos, os sindicatos, compõem a organização social complexa”.
É evidente que a família nasce espontaneamente, por exigência natural e espiritual do homem; ela não é criada pelo
Estado, mas já se encontra realidade social. Isto significa que o instituto da família, precedendo a organização estatal, é jurídico enquanto existe antes e independentemente
do reconhecimento do Estado, e antes e independentemente de uma disciplina que regule as estruturas e as relações que lhe
são conexas.
“O grupo familiar é a primeira agregação de sujeitos: enquanto responde a uma exigência de natureza, a união
entre um homem e uma mulher que representa a fundamental comunidade de vida, destinada a ampliar-se em conseqüência do nascimento
dos filhos. O grupo familiar, como conjunto de pessoas ligadas por vínculos afetivos e de sangue é a primeira do Estado, cujo
ordenamento limita-se a reconhece-lo antes de um instituto jurídico; portanto a família é uma instituição natural, que nasce
espontaneamente pela presença dos homens. Eficaz é a idéia jemoliana da família: isolada, numa ilha, só é tocada pelo direito”.
É interessante observar que aqueles que aceitam a existência natural da família como instituição afirmam a sua precedência.
Deve-se compreender, todavia, que nem sempre esta precedência ou prioridade é entendida em chave jurídica. Antes, como já
foi acenado no primeiro capítulo, a imagem da família isolada, só é tocada pelo direito pode e é de fato interpretada em chave
positivista: onde termina a família inicia-se o direito.
2.1 - A família como “instituição base” da sociedade civil
Para exprimir
bem este conceito é que se diz que a família é uma instituição natural: uma instituição que é expressão direta da natureza
do homem, e que se realiza de modo autônomo e prioritário em relação as Organizações Internacionais, ao Estado e ao ordenamento
jurídico. Nas Declarações da ONU defini-se a família como uma sociedade natural
fundada sobre o matrimônio. “O matrimônio, que dá certeza e tendencial estabilidade as relações familiares, e institucionaliza
os deveres dos cônjuges e dos filhos, é um instituto jurídico, antes porém um instituto ético e social. Os institutos familiares
estão entre aqueles que conhecem mais a influência de dados extra-jurídicos, e as transformações ligadas ao fluir do tempo:
atua-se no costume e, enquanto aceita pela consciência social, devem ser reconhecidas pela lei. O instituto social também,
perdeu parte do seu esmalte, a realidade odierna atesta o affievolimento da
tradicional preminência da família fundada sobre o matrimônio; são crescente cada vez mais os casos de convivência more uxorio. Apesar dela conservar o significado de instituto central do sistema familiar, seja na consciência
social seja, sobretudo, nas normas de leis. A necessidade porém, de reconhecer junto dela, as relações more uxorto, é verificável, devendo-se por atenção à realidade dos afetos, em um designo, todavia de não fácil
contemperamento de exigências”.
Nenhuma particular
noção ideológica e filosófica pode ter inspirado a adoção do termo “natural” na definição de família. Ocorre,
porém, observar que a qualificação da família como “sociedade natural” é
cheia de significado.
Assim a família
se revela como a sede entre a qual os homens vivem os afetos e exprimem a solidariedade; sede idônea à educação da prole,
como instrumento de realização de interesses meramente individuais, sendo portanto, estranha no nosso ambiente social e cultural,
a idéia da família como meio para atuar ou reforçar finalidades políticas”.
Ela indica
que a família não é uma criação do direito; ela é inserida na realidade social, que por sua vez lhe dá caráter de jurisdicidade,
que lhe reconhece os direitos e os tutela. Mais precisamente a expressão “sociedade natural” indica que a família
é uma sociedade originária, um ordenamento jurídico originário, que preexiste às nações e ao Estado, e é autônoma.
2.2 - A família na sua posição ativa e passiva na sociedade
O objetivo deste capítulo será colocar em evidência alguns aspectos fundamentais da família, como emerge do exame de alguns pontos do preâmbulo da “Carta
dos Direitos da Família”, e como estes são colocados no atual debate sobre as várias teorias da família como instituição e sobre seu papel no âmbito
da sociedade. “A família, sociedade natural, existe anteriormente ao Estado e a qualquer outra comunidade e possui direitos
próprios, que lhes são inalienáveis”.
A evolução do processo histórico e da modernização no pós-guerra trouxe consigo uma crise de valores e de instituições
que teve o seu reflexo sobre a família, desencadeando uma crise iniciada com o processo gradual de privatização da família
ocidental, conseqüências da nova visão do homem e do seu relacionamento com a natureza.
“É o núcleo social primário integrado pelas pessoas unidas pelos vínculos sociais mais fortes (o conjugal e os
de filiação ou de parentesco). Para a pessoa, é considerado como o meio ambiente natural a fim de conseguir o pleno desenvolvimento
da personalidade e, para a sociedade, como célula natural e fundamental. Tecnicamente, na família não há lugar para uma pessoa
jurídica ou uma entidade civil (conjugais, paternofiliais) determinadas pela posição que nela têm as pessoas que a compõem”.
Tudo isso pouco a pouco se foi afirmando a partir da época renascentista e encontrou uma maior consistência com a revolução
industrial e com iluminismo. A transformação da sociedade de rural e artesã para industrial e urbana, modifica radicalmente a tipologia da família entendida, particularmente, como grupo numeroso que compreende em si diversas
gerações e diferentes núcleos familiares, capaz de fazer frente às necessidades econômicas e na qual a solidariedade dos membros
compreende valores, meios de produção e de ocupação, à tipologia da família monocelular, destacada daquela de origem, reduzida
aos dois cônjuges e com os filhos, urbanizada, com um tipo de relação social e de incumbência grave que a constrange a pedir ajuda e serviços à sociedade. A partir desta crise houve quem quisesse decretar o fim da família como instituição
já superada em uma sociedade totalmente diferente.
Disso delineia-se que: ”Não que família estivesse superada, mas o modelo de família pré-industrial. O modelo
industrial vinha sofrendo improvisação de uma crise de identidade e funcionalidade a qual seria árduo por remédio. A nova
família deve fazer numerosas escolhas, mas não poucas delas são ligadas as escolhas da mutável sociedade. Aqui se pode falar
de um ponto de crise”.
A explicação da crise, desenvolvida sobretudo sobre um plano de pesquisa sociológica e histórica, parece ter raízes mais profundas, que devem ser buscadas sobre o plano das idéias,
isto é, no modo que a família é entendida no contexto de uma concepção do mundo e do existir. Ela ficou esvaziada no seu “ethos” cultural familiar, com o risco de perder aquela fisionomia
de fundo que a caracterizou no decurso dos séculos mesmo sob formas diversas.
“Mesmo não sendo mais possível, hoje, falar de crises da família como se falava no início dos anos setenta, na
época, as mais refinadas, mas todas duramente radicais, teorizações relativas à ‘morte’ desta instituição, continua
porém presente e enraizado na opinião comum de hoje um difuso sentimento de pesar, quase como que um discurso sobre a família,
sobre seu sentido, sobre sua função, sobre seu destino, como realmente todo por construir. É provável que este contínuo sentimento
de pesar seja favorecido pela objetiva ambivalência com que a sociedade contemporânea se analisa a realidade da família; uma
realidade na qual se quer fazer perder quase completamente o caráter sociológico preeminente, que mais a caracterizou na idade
moderna, o que, para usar uma só palavra, de Hilfsverband, isto é de estrutura subsidiária da existência individual, mas que paradoxalmente, quanto mais perde terreno
na civilização contemporânea, mais é exaltada nos seus aspectos mais convencionais. Além disso permanecem particularmente
problemáticas as possibilidades de superação de tal pesar, porque de um lado não se pode realisticamente acusar a sociedade
por ter ido aos pouco confirmando as funções próprias da família (a garantia econômica dos anciãos, a assistência sanitária,
a educação e o encaminhamento para o trabalho, etc.) transpormando-as de ‘privadas’ em ‘públicas’;
e de outro não se pode porém não revelar como próprio esta ‘marginalização’ social, esta redução da família a
um âmbito estritamente ‘privado’, e assim publicamente sempre menos relevante, seja a verdadeira causa, para a
própria família, como instituição, da perda do próprio eixo”.
Assim a família passou a ser submetida a três níveis de análise: primeiro, diz respeito a relação entre natureza e história. A linha de pensamento
que desvaloriza a natureza humana para afirmar que o homem é a sua história,
chega ao ponto de afirmar que a família não possui uma natureza própria, como estrutura própria, como ser da família mesmo
na diversidade das acepções e das formas históricas. Assim a família aparece como uma realidade ligadas as diversas épocas
históricas, sem nenhuma possibilidade de comunicação e de um vínculo: e a negação daquele “quid” próprio da família permanece e a define como “sociedade natural”.
A princípio o matrimônio pode ser entendido como o instrumento jurídico com o qual um homem e uma mulher dão avio a
uma (tendencialmente) estável união de vida, que assume relevância também no ordenamento do Estado. A família fundada sobre
o matrimônio, portanto, tem um sentido pleno a atribuição de legitimidade, o que não exclui uma plena relevância da família
c.d. natural (ou de fato) em relação aos filhos”.
Desde suas origens a família se coloca em um horizonte de comunicação e de relacionalidade que a caracteriza e a define
como sociedade natural, inserindo-se na dinâmica do próprio ser do homem, como realização primária da sua relacionalidade. O terceiro nível de análise é aquele entre “público” e “privado”, do qual falaremos a seguir.
2.3
- A Família Núcleo entre o «Público» e o «Privado»
Um terceiro nível de análise que o núcleo familiar vai confrontar-se no seu processo histórico, é aquele entre o “público”
e o “privado”: Afirma-se a intimidade familiar, se a nítida estrutura da esfera do privado, delineia-se pouco
a pouco com a afirmação da cultura romântica, o primado da pessoa sobre a instituição que funda a família nuclear moderna
e que constituí a sua força e a sua fraqueza.
O processo de continua privatização da família leva consigo a um esvaziamento do seu significado e da sua fisionomia, cuja finalidade institucional se desloca para uma dimensão pública. A família, fonte de valores e de energia no matrimônio,
ganha uma força institucional pública e uma projeção social que se explica na procriação e na educação dos filhos do núcleo
familiar; e uma dimensão privada,como alcance de expectativas individuais, como lugar dos afetos íntimos, em uma procura de felicidade entendida como autosatisfação.
A resposta a tal crise da família não parece, hoje, direta ao suprimento dela como instituição: o progresso da sociedade
não dissolveu a família, antes em certos aspectos, lhe deu forças seja como área de
segurança em uma sociedade cada vez mais instável, seja como lugar de autenticidade
e de liberdade de relações, no caso em que a estrutura social tenda a ser absorvida pela dimensão pública. Por tal motivo o ponto discriminante está a indicar qual a idéia de família dever ser recuperada. “A desinstitucionalização da família, simbolizada pela multiplicidade
de suas formas, reverte num processo paralelo de institucionalização. Este se manifesta na solicitude com que se reivindica
o caráter pretensamente institucional dos novos núcleos familiares, separados de seu tradicional centro que é a família conjugal.
Naturalmente, é uma institucionalização que bem poderia ser qualificada como fugaz, que institucionaliza a precariedade, o
que se chamou de famílias de risco, provavelmente porque a instituição corre nelas o risco subordinar-se aos avatares da felicidade,
real ou aparente, de cada um dos membros que a compõem. Exatamente o contrário da família conjugal e estável, que inevitavelmente
e com freqüência subordina o bem privado ao próprio interesse familiar”.
Recuperar o conceito de família como sociedade natural e conseqüentemente reivindicar os seus direitos inalienáveis,
significa redescobri -lá como célula constitutiva da sociedade, no sentido de uma comunidade natural capaz de educar o homem
à fraternidade e a solidariedade, em vista da comunidade política e da sua articulação a vários níveis. Trata-se de superar a alternativa entre o modelo tradicional
da família, inclinada a evidenciar o aspecto institucional em detrimento da dimensão pessoal, e a concepção individualista
que numa visão utilitarista e privatística corre o risco de não colher mais o significado autêntico da família como comunidade.
“Atualmente, o matrimônio volta a ser visto em função de valores privados. Bem entendido que, agora, o ‘privado’
não é percebido ou teorizado como raiz e fundamento do público, mas como uma dimensão ou um espaço formado por direitos e
atributos intimistas cuja afirmação e proteção é garantida desde a dimensão da família e do matrimônio”.
a. A comunhão
de vida nas relações internas do casal
O suprimento de tal alternativa nasce de uma reconversão, sobre um plano antropológico, da família como comunidade
capaz de corresponder as necessidades do homem e de suscitar pessoas socialmente abertas e solidárias. Nesta perspectiva é
sem dúvida que o vínculo jurídico, que constituí a família deve ser respeitado e deve ter o seu valor, pois ele dá garantias do empenho e da duração. Assim também o indivíduo pode
legitimamente pedir à família a sua proteção e a promoção das exigências privadas.
Por outro lado, uma família capaz de responsabilidade afetivas, de clima democrático e de abertura ao social deve cumprir
a sua obrigação de formar personalidades capazes de agir positivamente na esfera
social e política, sem deixar-se sucumbir pelas inúmeras dificuldades. É indispensável portanto a subjetividade política do grupo familiar como um agregado humano primário no qual se realiza uma
experiência comunitária capaz de abrir o homem à comunicação e a solidariedade.
A partir de tudo o que já foi colocado acima, se pode perceber como a crise e a transformação através da qual a família
passou neste últimos anos serviu-lhe para uma renovação das idéias que colocou
em luz alguns valores familiares que a estrutura social de outros tempos não permitia exprimir muito bem. Foi justamente isso
que profeticamente o Vaticano II intuitivamente soube reconhecer: “Mas
o vigor e solidez da instituição matrimonial e familiar também nisto se manifestam: muito freqüentemente, as profundas transformações
da sociedade contemporânea, apesar das dificuldades a que dão origem, revelam de diversos modos a verdadeira natureza de tal
instituição”.
3 - A NOÇÃO DE FAMÍLIA NAS NORMAS INTERNACIONAIS DA ONU
A “Declaração Universal dos Direitos Humanos” tende sempre a
evidenciar a liberdade e a igualdade em dignidade e direitos de todos os homens, sobretudo sobre o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal de todo indivíduo. Em um dos seus primeiros artigos a Declaração faz referencia à família, entendida na sua unidade, como sujeito em sentido
jurídico, afirmando que “a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direitos à proteção por parte
da sociedade e do Estado”.
Tal afirmação, que apresenta a família como sujeito unitário de direitos e deveres, foi novamente reafirmada no “Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos”, e foi ulteriormente precisado no “Pacto Internacional sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais”: “Uma proteção e uma segurança mais
ampla possível deve sempre ser dada à família, que é o núcleo natural e fundamental da sociedade, em particular pela sua fundação
e pelo tempo em que ela tem a responsabilidade do cuidado e educação dos filhos que estão sobre os seus cuidados”.
3.1-
A família como «núcleo de vida»
Descrevendo a família como núcleo natural da sociedade, o Direito Internacional reconhece a sua peculiaridade sempre
em vista de um desenvolvimento da pessoa e da sociedade. Ela é assim reconhecida, como sociedade natural, núcleo de vida e prima societas
que existe anteriormente ao estado e a qualquer outra sociedade, com direitos que lhes são próprios e inalienáveis. “A família enquanto núcleo básico da sociedade e ambiente natural para o crescimento e o bem estar de todos os seus
membros, em particular das crianças e dos jovens, deve ser ajudada e protegida a
fim que possa assumir plenamente as suas responsabilidades dentro da comunidade”.
A família, portanto, como ambiente natural para o crescimento da pessoa, é uma comunidade de amor e de compressão que
realiza a primeira forma de comunhão de pessoas e que é essencial para o desenvolvimento harmônico da personalidade dos seus
membros. È exatamente isso que evidencia claramente a “Declaração dos Direitos das Crianças”: “A criança, para o desenvolvimento harmônico de sua personalidade tem necessidade de amor e de compressão. Ela deve,
nos limites do possível crescer sob a custódia e a responsabilidade dos pais e, em todo caso, em uma atmosfera de afeto e
de segurança moral e material”.
Recentemente a ONU, através dos vários organismos e conselhos, chamou atenção
sobre o estudo da família no seu complexo e na sua unidade, tomando em consideração, explicitamente, a sua relevância jurídica. O Departamento dos assuntos econômicos e sociais internacionais na sua “Relação
sobre a Situação Social no Mundo”, dedica um capítulo inteiro à família, com uma precisa análise das características
atuais que ela veio assumindo através da evolução ocorrida nestes últimos séculos de sua concepção e do seu papel na sociedade.
3.2-
A família como «instituição» na estrutura da sociedade
As famílias ficam mais frágeis devido aos freqüentes divórcios e separações. Todavia, a decisão de ter filhos parece ser fruto de uma maior consciência e responsabilidade do que no passado, e a formação do casal funda-se sobre o mútuo consenso e não sobre o costume ou sobre o habitual. “Quanto ao casal humano, naturalmente tem uma máxima importância a afirmação geral da igualdade e paridade homem-mulher,
que deve ser reconhecida e vivida dentro da realidade do casal. Todavia conseguiu-se uma convergência em direção a uma comum
concepção de fundo numa Assembléia Geral como aquela da ONU, que reúne todos os Estados soberanos do mundo com povos de culturas
e civilizações diferentes; e por isso, também a instituições derivadas de raízes
ideológicas, religiosas, culturais diferentes relativas à família e em particular ao casal”.
Chegou-se a afirmação,
de fundamental importância, que indica o casal monogâmico como meta de civilidade
e, portanto, como concreta forma de agrupamento humano que no conjunto efetivamente garanta a dignidade da pessoa e a igualdade
entre os membros individualmente do casal e na sociedade conjugal.
Seguindo a mesma orientação, “A Relação sobre a situação social no mundo”,
foi aprovada uma resolução por parte da ECOSOC (Conselho Econômico e Social da
ONU) sobre o “Papel da Família no
Processo de Desenvolvimento”, a qual torna a insistir sobre a importância de considerar a família como núcleo básico da sociedade e ambiente natural para
o crescimento e o bem estar de todos os seus membros.
3.3
A relevância social do vínculo
Se evidencia que o instituto familiar reveste-se de múltiplas formas e sofre notáveis transformações no seu desenvolvimento.
Por isso, pede-se aos organismos da ONU para dar uma devida atenção ao papel da família no processo de desenvolvimento, e
do mesmo modo aos Estados para intensificar os esforços em vista de uma análise e uma avaliação realística das necessidades
das famílias e dos meios necessários para a satisfação delas.
O tema da família no âmbito do desenvolvimento foi ulteriormente estudado pelo “Departamento dos Assuntos Econômicos e Sociais Internacionais”, que lhe dedicou dois estudos monográficos:
O primeiro dedicado ao aprofundamento do conceito de família tirado das conclusões, resoluções e planos de ação da ONU, e
do estudo do impacto do processo de desenvolvimento em vários estados; o segundo foi centrado sobre a pesquisa dos modelos para a assistência de serviços de proteção à família.
A sessão plenária da ECOSOC em 1985 retomou o tema da família, debatendo novamente a necessidade de chamar a atenção sobre a grande importância enquanto elemento base da sociedade e ambiente
natural do desenvolvimento e do bem estar da pessoa através de políticas sociais, que satisfaçam as suas necessidades tendo
sempre em conta as situações particulares que ela está atravessando como o primeiro âmbito na qual se refletem as crises das
mudanças sociais e econômicas. Ao mesmo tempo se formulou um apelo para as futuras reuniões dos Organismos da ONU, a fim que levem em consideração a estreita
relação que há entre o desenvolvimento social e a família, e tenham como objetivo evidenciar
a função de quadro de referimento que a célula familiar deve assumir nos programas e nas políticas de proteção social.
Bonilini escreve: “A família, não é um centro de imputação de direitos e de obrigações autônomo – como
uma associação cultural, ou uma sociedade comercial, (ou, para certos olhares, a empresa familiar) , que configuram entidades
distintas dos associados singulares ou sócios – mas uma agregação de pessoas, cuja composição é variável. O direito
de família portanto, não disciplina a família unitariamente entendida, mas as relações familiares tomadas individualmente,
que propriamente, são relações jurídicas, no sentido de relações entre sujeitos regulamentados pelo direito objetivo (...).
As relações, que no âmbito de um grupo familiar ligam mais sujeitos entre si, são uma ligação, a filiação, a adoção, a parentela,
a afinidade”.
Se, como vimos, as normas de Direito Internacional reconhecem a família como sujeito jurídico, como núcleo natural,
como comunidade que realiza a primeira forma de comunhão entre os indivíduos, como ambiente particularmente adaptado ao desenvolvimento
da pessoa, elas reconhecem à família a específica fisionomia de instituição nas estruturas do Estado e da Sociedade Civil:
“A família nesse sentido se apresenta como instituição, antes de tudo como substrato institucional sob a realidade propriamente
jurídica de direito positivo, que no nosso caso é o ordenamento internacional vigente”.
Assim a família é descrita como fundamento da sociedade, e lhe é garantida uma específica proteção jurídica toda vez que se afirma e defende a sua autonomia qual esfera privada,
que não pode ser submetida a interferências arbitrárias na sua vida privada, na família, na sua casa. Fica muito claro, em relação a afirmação que a “Carta dos Direitos da Família” faz a propósito do direito que toda família tem de existir e progredir como tal, no respeito e na promoção por parte da sociedade,
da sua dignidade, independência, integridade e estabilidade.
No quadro mais amplo da vida da sociedade, a família configura-se nas normas do Direito Internacional como uma realidade
específica e definida, como uma função social e política própria na construção da sociedade. Enfim ela é vista como o “primário
ente intermedio” entre os indivíduos e a sociedade, como uma unidade social que antes de qualquer outra instituição
contribui para o desenvolvimento, a socialização, a formação da pessoa.
Aqui
se insere o delicado e fundamental discurso das políticas demográficas, no qual freqüentemente
o direito da família em decidir o número dos filhos e o intervalo dos nascimentos, é prevaricado em favor de uma planificação
familiar baseada mais sobre pressupostos consumistas e egoístas e não sobre o respeito da vida e sobre a “(...) formação
e o fornecimento às famílias dos conhecimentos e dos meios necessários para que elas possam exercer os seus direitos de determinar
livremente e com plena responsabilidade o número dos seus filhos e o intervalo
dos nascimentos”.
3.4- A posição dos pais, a identificação na potestade familiar
Em
conexão com a realidade do casal, coloca-se o específico problema dos direitos e deveres dos membros do casal em vista da
formação procreativa. É de grande importância o ponto alcançado na normativa a nível internacional com a proclamação feita
na Conferência Internacional das Nações Unidas sobre os direitos do Homem em 1968 no Teerã e na Conferência Mundial das Nações
Unidas do Ano Internacional da Mulher em 1975 na Cidade do México: Afirmou que deve ser reconhecido o direito do casal interessado
em avaliar e decidir sobre a eventual atividade generativa.
Se
por um lado a família tem direito a ser tutelada pela sociedade nas suas funções especificas e insubstituíveis, por outro
lado ela deve se colocar também como sujeito ativo dentro das estruturas sociais, com pleno direito de participação na vida
e no progresso da sociedade, justamente pelo seu papel específico de prima societas
que realiza a vocação de formar as pessoas para a vida social.
Além
disso, a família se reveste de um papel de fundamental importância no processo de desenvolvimento, e portanto não podem mais
ser elaborados programas de desenvolvimento social que não leve em consideração as
reais necessidades da família. A sua função de primeira unidade social é aquele de educar socialmente as pessoas e esse é
o papel que ela desempenha sobretudo no âmbito do progresso social. O ponto de partida está na enunciação da igualdade de dignidade de cada ser humano como pessoa que nasce e deve
crescer na liberdade, no respeito pela sua segurança e no reconhecimento da sua personalidade jurídica. Disso deriva o direito à própria vida que deve ser protegida a fim que ninguém possa ser arbitrariamente privado
dela: O direito que todo o indivíduo tem à segurança social e a satisfação
daqueles direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
3.5 - A eficácia do matrimônio no Ordenamento Jurídico Internacional
Um
amplo espaço é dado pelas normas internacionais aos direitos no que diz respeito ao matrimônio. Todo homem e toda mulher,
em idade adaptada, tem direito de casar-se e formar uma família. Isto jamais pode ser admitido senão com o livre e pleno consenso
dos esposos, e deve ser além disso, respeitada a paridade de direitos e de responsabilidades do casal para o matrimônio e
a sua eventual dissolução.
Com
relação a isso, é para considerar que as normas internacionais, mesmo falando de estabilidade e continuidade do matrimônio,
fala da família como comunidade de amor e de crescimento da pessoa. E o modo de entender tal continuidade da sociedade conjugal
e a conseqüente estabilidade do vínculo cria notáveis problemas. A própria “Declaração
Universal dos Direitos do Homem” previu a dissolução do vínculo, especificado em três formas diferentes: dissolução
do matrimônio, anulação e separação.
Isso
porque “(...) no presente estágio de normatividade jurídica, mesmo sob o plano internacional não se dá absoluta garantia
e estabilidade e a indissolubilidade do matrimônio: por isso se põe todas as problemáticas. Analogamente se verifica no direito
quanto as normas de direito constitucional e de direito privado nos ordenamentos internos de cada um dos Estados, relativamente
à tutela processual e penal do matrimônio e a sua continuidade”. Mesmo aceitando a possibilidade de dissolver o vínculo matrimonial,
as normas de direito internacional sublinham duas condições fundamentais: em primeiro lugar que isso não deve trazer prejuízos
para a defesa da unidade da família, além disso que em todo caso de dissolução de matrimônio os interesses dos filhos deverão
ser sempre considerados como primários.
3.6- A finalidade procriativa e
a tutela da maternidade e paternidade responsável
Um
outro tema de extrema importância é sem dúvida aquele relativo à função procriativa da família. É claramente e repetidamente
declarado o direito fundamental dos pais de decidir livremente e concientemente a dimensão de suas famílias, o número e o
intervalo dos nascimentos, junto com o direito de chegar à informação, à educação e aos mais necessários para exercer esta
função primária e essencial.
Com
base nas consideração que foram expostas quanto aos direitos e deveres fundamentais dos vários membros da família, se pode
evidenciar como se insiste nas Normas Internacionais sobre a igualdade entre os membros da família, sobre a necessidade da
codivisão da responsabilidade, sobre a exigência de criar as condições a fim de que a família seja uma comunidade de amor
e de compreensão e sobre a importância da mútua assistência.
Se
trata, definitivamente, daqueles pressupostos essenciais para que a família seja reconhecida como comunidade de amor e de
solidariedade, “(...) adaptada a ensinar e a transmitir valores culturais, éticos, sociais, espirituais e religiosos
essenciais para o desenvolvimento e o bem estar dos próprios membros e da sociedade”.