CRISTIANISMO NO NOVO MILÊNIO
Adam
Kowalik
A doutrina de
Cristo, que dominou a vida do Mundo nos últimos XX séculos, continua vigorosa e com capacidade de adaptar-se no mundo moderno
do século XXI.
Toda a bagagem
cultural (a moral, a arte, a ciência, a política e até a economia), com que a humanidade entrou no novo Milênio for influenciada
pelo cristianismo.
Nos primeiros
séculos o cristianismo sofreu perseguições até deixar a condição de “seita judaica” e se tornar a religião oficial
do Império Romano. O Cristianismo cresceu e se espalhou no mundo empurrado pela força poderosa de sua mensagem. O mandamento
de amar ao próximo e de perdão não só ao amigo, mas também ao inimigo, foi uma revolução em sua época. A capacidade de servir
ao outro foi o impulso, que transformou de dissidentes judeus (apóstolos, discípulos e discípulas de Jesus), em religião universal,
que se espalhou em curto prazo no mundo inteiro. “A nova fé deu melhores explicações à sociedade, os valores de amar
e caridade serviram melhor na atenção aos desvalidos”, escreveu Stark no livro, O
crescimento da Cristandade. De acordo com Stark uma epidemia, provavelmente de varíola, que matou um terço da população
do Império Romano por volta do ano 165, foi a tábua de salvação do cristianismo. Entregues à própria sorte diante da calamidade,
sem poder contar como Estado que não se ocupava dessas coisas, os romanos pagãos ficaram maravilhados com a atitude dos cristãos
que se encarregaram de cuidar das vítimas sem espera de recompensa.
Quais são os desafios
do cristianismo no novo milênio?
1. O Jesus histórico é a personagem que nasceu, viveu, morreu na Palestina,
num período histórico determinado, numa época em que reinava o imperador romano Augusto, e ressuscitado, de acordo com o Novo
Testamento - livro sagrado do cristianismo.
2. Outro desafio do cristianismo no novo Milênio é a “secularização”
que significa simplesmente que as pessoas tendem, pela própria dinâmica da vida moderna. Estamos vivendo um momento repleto
de possibilidades e riscos, onde começamos a fazer uma avaliação de nossa forma de ver e pensar o mundo. Este processo tem
sido chamado de Pós-Modernidade, onde pouco a pouco vamos descobrindo que não estamos no controle de tudo, como imagina a
mente moderna. As pessoas querem ser bons católicos ou evangélicos sem ter de
seguir à risca cada um dos ditames dos padres e pastores. É possível ser um bom cristão e fazer sexo antes do casamento ou
usar métodos anticoncepcionais artificiais como a pílula? “Parece-me, diz Tarkovski – cineasta russo, que nossa época é o climax final de todo um
ciclo histórico, no qual o poder supremo esteve nas mãos dos grandes inquisidores,
líderes e personalidades notáveis, motivados pela idéia de transformar a sociedade numa organização mais ‘justa’
e racional. Eles procuraram apoderar-se da consciência das massas, inculcando-lhes
novas concepções ideológicas e sociais, e convocando-as para a renovação das estruturas sob as quais está organizada a existência,
em nome da felicidade da maioria, mas, a afirmação dos interesses de classe ou de grupo, acompanhada pela invocação do bem-estar
da humanidade e da ‘prosperidade geral’ resultam em flagrantes violações dos direitos do indivíduo, que se vê
fatalmente isolado da sociedade”.
3. Mais uma provocação do tempo de hoje é o “ecumenismo”.
É extremamente complexo o desafio de manter a unidade da doutrina cristã ao mesmo tempo que se fazem aberturas na direção
de outras crenças. Católicos e protestantes, que deveriam ser o mais próximos, ainda não resolveram suas divergências essenciais.
Católicos e judeus, separados pelos dois Testamentos, ainda têm um longo caminho a percorrer para estabelecer bases mínimas
de convivência. O fanatismo religioso, qual se encontra também no século XXI, atrapalha muito na tentativa de se comunicar
entre as religiões. Podemos dizer, que é o inimigo mais poderoso na construção do ecumenismo e da paz no mundo de hoje. Por
trás das guerras dos últimos anos, na maioria dos casos, encontra se o motivo religioso. Por exemplo a guerra na antiga Jugoslavia.
4. O islamismo é a religião que mais cresce no mundo. O cristianismo vive
hoje num ambiente da mais ampla liberdade religiosa, o que permite, por exemplo, que o islã construa uma de suas maiores mesquitas
em plena Roma. Mas os cristãos têm de disputar espaço com o islamismo. O fundamentalismo islâmico não só é contra a liberdade
de fé como é a favor da teocracia, do Estado religioso.
5. O papa João Paulo II tem se empenhado como nenhum outro antecessor
para tirar dos ombros da Igreja os pecados acumulados nos tempos passados da Igreja Católica. “Os cristãos não podem
dar as boas-vindas ao Terceiro Milênio sem se arrepender de seus pecados históricos”, disse o papa. João Paulo II desculpou-se
em nome da Igreja pela condenação de Galileu Galilei, o sábio punido pela Inquisição por sustentar que a Terra não era o centro
do universo. O Papa delimitou onde começa a fé e termina a ciência. “A missão da Igreja não é ensinar como o céu foi
feito, mas mostrar o caminho até lá”, disse o papa. Desculpou-se
também pelo fato de a Igreja Católica ter sido avalista ideológica das atrocidades cometidas pelos conquistadores europeus
na América portuguesa e espanhola há 500 anos.
A maioria dos teólogos vê na história do cristianismo um permanente movimento de pêndulo entre o que eles chamam de
carisma e de poder. Ou entre a modernidade e a dogma. Por exemplo as atuais contestações sobre o celibato ou a ordenação de
mulheres seriam apenas temáticas novas de questões que se repetem ciclicamente. Quando nascem, as igrejas são tomadas pelo
fervor religioso, pelo encantamento dos devotos com a revelação divina, com a liturgia e com a doutrina. Por esse prisma,
no início do novo Milênio, o cristianismo estaria recuperando parte do frescor de seus primeiros dias, numa nova volta do
pêndulo que estaria levando os fiéis de novo as missas e aos cultos, como de fato acontece.
Assim como nas
origens – adotou em sua liturgia elementos do teatro para fazer sua mensagem mais compreensível aos fiéis -, atualmente
o cristianismo lança mão dos meios que a tecnologia moderna lhe oferece. “Vivemos na era da informação e as religiões
que, como o cristianismo, se estabeleceram por meio do uso da palavra hoje têm de se integrar à cultura da imagem, da televisão
e dos megaeventos”, diz José Oscar Beozzo. A época moderna, mesmo criando desafios, parece propicia ao cristianismo,
que está uma fase oposta ao marasmo de anos atrás, quando as igrejas se apoiavam mais nas formalidades do ritual do que no
coração dos fiéis”.
Stott no seu livro
nos apresenta uma síntese de sua compreensão dos principais desafios contemporâneos expressos em três buscas fundamentais:
a busca por transcendência, a busca por sentido e a busca por comunidade.
Para o cristianismo
do século XXI o desafio está na qualidade da vida em comunhão. Precisamos construir modelos de Igrejas onde as barreiras que
impeçam a verdadeira comunhão sejam quebradas, onde as pessoas possam experimentar relações significativas, num ambiente acolhedor
sentindo-se aceitas e amadas.
Rio de Janeiro, 16.04.2004